Vincent Van Gogh e ser vagabundo

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Vincent Van Gogh e ser vagabundo
   

Entre as inúmeras cartas que Van Gogh escreveu ao seu irmão Theo, nesta ele mostra a sua preocupação em parecer vagabundo, provavelmente pelo não reconhecimento do seu talento artístico, na época.

“Escrevo-lhe um pouco ao acaso o que me vem à pena, ficaria muito contente se de alguma maneira você pudesse ver em mim mais que um vagabundo.

Acaso haverá vagabundos e vagabundos que sejam diferentes?

Há quem seja vagabundo por preguiça e fraqueza de caráter, pela indignidade de sua própria natureza: você pode, se achar justo, me tomar por um destes.

Além deste, há um outro vagabundo, o vagabundo que é bom apesar de si, que intimamente é atormentado por um grande desejo de ação, que nada faz porque está impossibilitado de fazê-lo, porque está como que preso por alguma coisa, porque não tem o que lhe é necessário para ser produtivo, porque a fatalidade das circunstâncias o reduz a este ponto, um vagabundo assim nem sempre sabe por si próprio o que poderia fazer, mas por instinto, sente:

‘No entanto, eu sirvo para algo, sinto em mim uma razão de ser, sei que poderia ser um homem completamente diferente. No que é que eu poderia ser útil, para o que poderia eu servir; existe algo dentro de mim, o que será então?’.

Este é um vagabundo completamente diferente; você pode, se achar justo, tomar-me por um destes.

Um pássaro na gaiola durante a primavera sabe muito bem que existe algo em que ele pode ser bom, sente muito bem que há algo a fazer, mas não pode fazê-lo.

O que será? Ele não se lembra muito bem.

Tem então vagas lembranças e diz para si mesmo:

‘Os outros fazem seus ninhos, têm seus filhotes e criam a ninhada’, e então bate com a cabeça nas grades da gaiola. E a gaiola continua ali, e o pássaro fica louco de dor.

‘Vejam que vagabundo’, diz um outro pássaro que passa, ‘esse aí é um tipo de aposentado’.

No entanto, o prisioneiro vive, e não morre, nada exteriormente revela o que se passa em seu íntimo, ele está bem, está mais ou menos feliz sob os raios de sol.

Mas vem a época da migração. Acesso de melancolia – ‘mas’ dizem as crianças que o criam na gaiola, ‘afinal ele tem tudo o que precisa’.

E ele olha lá fora o céu cheio, carregado de tempestade, e sente em si a revolta contra a fatalidade.

‘Estou preso, estou preso e não me falta nada, imbecis! Tenho tudo que preciso. Ah! Por bondade, liberdade! ser um pássaro como os outros.’

Aquele homem vagabundo assemelha-se a este pássaro vagabundo…

E os homens ficam frequentemente impossibilitados de fazer algo, prisioneiros de não sei que prisão horrível, horrível, muito horrível.

Há também, eu sei, a libertação, a libertação tardia.

Uma reputação arruinada com ou sem razão, a penúria, a fatalidade das circunstâncias, o infortúnio, fazem prisioneiros.

Nem sempre sabemos dizer o que é que nos encerra, o que é que nos cerca, o que é que parece nos enterrar, mas no entanto sentimos não sei que barras, que grades, que muros.

Será tudo isto imaginação, fantasia? Não creio; e então nos perguntamos: meu Deus, será por muito tempo, será para sempre, será para a eternidade?

Você sabe o que faz desaparecer a prisão.

É toda afeição profunda, séria. Ser amigos, ser irmãos, amar isto abre a porta da prisão por poder soberano, como um encanto muito poderoso. Mas aquele que não tem isto permanece na morte.

Mas onde renasce a simpatia, renasce a vida.”

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