Jean-Antoine Watteau nasceu em 10 de outubro de 1684, em Valenciennes, centro da região de Hainaut, recém-incorporada ao território francês pelas tropas de Luís XIV.
Seu talento se revelou já na infância: antes de completar dez anos de idade, Watteau rabiscava, a lápis ou a carvão, as coloridas quermesses de Valenciennes. Curiosamente, os mesmos temas que haviam inspirado seus predecessores flamengos – Bruegel, Bosch e Rubens – impressionavam também o menino, que povoava seu caderno com saltimbancos palhaços, anões e mulheres barbadas.
Decididamente apaixonado pelo espetáculo da vida improvisada. Antoine logo abandonou os bancos da escola. Contava com a aprovação do pai, mestre-telheiro, que sonhava para o filho uma carreira rendosa e, sobretudo, livre da servidão do trabalho braçal. Confiou-o, então, ao pintor Jacques-Albert Gérin, que, desinteressado, deixava o jovem num canto a copiar frisos gregos e romanos. Poucos anos depois, Gérin aproveitou a falta de pagamento para livrar-se daquele adolescente, que preferia encher os cadernos com monstrengos das feiras populares, em vez de decalcar os mármores do Partenon.
Assim, armado apenas de talento e da vontade de se firmar como artista. Watteau convenceu seu pai a deixá-lo seguir seu caminho. E o caminho para qualquer jovem ambicioso da época levava a Paris, a capital cujo brilho e fausto chegavam até as províncias mais distantes.
ENTRE A NOBREZA
Com uma pequena bagagem e mal preparado para enfrentar sem sofrimento o rigor do inverno de 1702, Antoine Watteau desembarcou em Paris. Contava apenas dezoito anos; no lenço cuidadosamente atado à cintura, sob as grossas calças de feltro escondia algumas moedas de ouro.
Instalado numa pobre estalagem perto da atual ponte Saint-Denis, ele não tardou a encontrar trabalho: copiar estampas e pinturas célebres para os comerciantes de quadros e gravuras estabelecidos ao longo do Sena.
Embora esta fase inicial não tenha contribuído para a formação artística de Watteau, serviu de trampolim para sua vocação maior. Porque foi justamente por meio de uma das duas cópias menos fiéis, aquelas que os vendedores escondiam dos clientes, que Antoine acabou atraindo a atenção e a amizade do pintor Claude Gillot.
Gillot exercia grande influência, tanto em sua vida como em sua obra. Encantado com o sotaque e com o entusiasmo do jovem, ofereceu-lhe trabalho. Assim em vez de negociar imitações baratas, poderia pintar livremente para uma clientela rica e sofisticada. Mais que isso, pelas mãos de Gillot e de seus amigos nobres, Watteau desbravou, fascinado, um novo mundo : o teatro, que se transformaria num dos principais temas de sua criação. Era como dar brilho e magia aos pobres personagens que retratava nas feiras.
Mais tarde, o decorador do Palácio de Luxemburgo, Claude Audran, franqueou-lhe outro panorama inspirador: a paisagem simétrica dos jardins franceses, que serviam de fundo para suas cenas campestres. Audran também proporcionaria um contrato decisivo com as telas de Rubens, que compunham o majestoso ciclo Maria de Médicis. Watteau preparou inúmeros desenhos e esboços a partir desses quadros, absorvendo, assim, em benefício de seu próprio estilo, alguns toques de Rubens, como o estilo brilhante e a riqueza das cores. Talvez pela afinidade espiritual derivada da mesma origem flamenga, talvez pelo contraste entre os personagens desse mestre, monumentalmente rudes, e suas próprias figuras, musicalmente etéreas, Watteau teve, com Rubens suas lições definitivas.
Um dos pais do estilo Rococó na decoração, Audran, por sua vez, ainda possibilitou ao jovem pintor incluir-se no seleto grupo de artistas que executavam sob sua orientação, desenhos e arabescos nas residências da aristocracia. Enquanto trabalhava para Audran, entre 1707 e 1708, Watteau revelou sua inventividade nas boiseries (revestimentos em madeira das paredes). No Château de la Muette, por exemplo, entre os motivos centrais de arabescos fantasiosos com temas mitológicos ou galanterias de pastores a camponeses, introduziu minúsculos motivos chineses ou siemescos (as chinoiseries e singeries) que seriam sucesso em toda a Europa.
MEMBRO DA ACADEMIA REAL
Assim encorajado, em 1709 Watteau decidiu concorrer ao Prêmio de Roma – instituído pela Academia Real da França – que oferecia uma viagem à Itália. Mas nada obteve. E, certamente desgostoso com seu insucesso, abandonou os amigos e o estúdio de Paris, voltando a Valenciennes. Foi um gesto de rebeldia pouco duradouro: dois meses depois, no início de 1710, ele refazia as malas para regressar a Paris. Nesse meio tempo, porém, nas vizinhanças de Valenciennes, cidade de fronteira, travavam-se batalhas sangrentas; Watteau fixou algumas imagens dessa situação, como a partida triste de um recruta, exércitos bélicos em pleno campo e encontros furtivos de soldados com moças da aldeia. Em Paris, onde os ecos da guerra chegavam amortecidos, suas telas agradariam a colecionadores e marchands.
De volta, Watteau retomou suas cenas de teatro: elas empolgavam pessoas refinadas, como o Conde de Caylus e o milionário Pierre Crozat. Hospedou-se, juntamente com seu discípulo Jean-Baptiste Pater (vindo de Valenciennes) em casa do marchand Sirois, e foi certamente por seu intermédio que conheceu Crozat, em cuja coleção de desenhos de Veronese, Tiepolo, Ticiano e outros encontraria a fonte de seu último e fecundo aprendizado – unia, assim, os temas de Rubens à vibração cromática dos coloristas venezianos. Aliás, foi curador da coleção de Crozat, Charles la Fosse, quem patrocinou a segunda aproximação e Watteau com a Academia Real da França, em 1712. Impressionado com o artista, o comitê da Academia ofereceu-lhe a oportunidade de ali ingressar, abrindo um precedente ao permitir que escolhesse o tema da sua peça de ingresso: em 1717, Watteau apresentou seu A Peregrinação à Ilha de Citera, que recebeu a classificação de fetê galante (festa galante) na Acadêmia.
MORTE PREMATURA
Considerado uma personalidade difícil, Watteau foi de fato um homem irritável, introspectivo e inquieto. Era distante por natureza e a adulação de estranhos tornava-o impaciente. Como não se interessava por dinheiro, é provável que não desse o devido valor a seus quadros. Conta-se que certa vez que trocou dois quadros por uma peruca, e ainda ficou apreensivo, acreditando que o negociando pudesse vir a sentir-se lesado.
Mas essa natureza, que se qualificou de temperamental, certamente agravava em consequência de uma enfermidade séria e incurável na época – a tuberculose -, que o afligiu durante a maior parte de sua via e, finalmente, a breviou. Não se sabe ao certo quando ele teve conhecimento da doença, mas é inegável que contagiou seus quadros, sombreando com um toque melancólico a alegria dos personagens em festa.
Em 1719, Watteau viajou para a Inglaterra em busca de um médico famoso, o dr. Mead. Mas o inverno severo desse país serviu apenas para agravar suas péssimas condições de saúde e, em 1720, Watteau já estava de volta a Paris, como hóspede de Edme Gersaint, o genro de Sirois. Também negociante de arte, Gersaint teve sua loja retratada na última obra-prima de Watteau. Pouco depois o artista mudava-se para uma casa de campo em Nogent. Pediu ainda ao amigo que vendesse todos os seus pertences, pensando em empreender uma derradeira viagem à sua terra natal; na verdade, não voltaria a rever Valenciennes.
Talvez pressentindo o fim próximo, movimentava-se constantemente, sempre irrequieto, e segundo se conta, ainda em Nogent, teria destruído algumas pinturas eróticas e começado a trabalhar num Cristo na Cruz. Gersaint o visitava com frequência e foi em seus braços que Watteau morreu, em 18 de julho de 1721, aos 37 anos. Jovem demais para um talento que ainda teria muito a expressar.