O pai viera da Libéria com a mulher e perambulou por algumas cidades russas, até fixar-se em Moscou, onde se dedicou ao comércio de chá. Já havia feito fortuna, quando nasceu o filho Wassily Kandinsky, no dia 4 de dezembro de 1866. Kandinsky passou a infância na cidade natal, que deixaria nele uma forte impressão. Amava as catedrais e os palácios moscovitas, as cúpulas douradas e os sinos replicando nos campanários; as cores e a atmosfera da cidade habitariam sua imaginação até o final de sua vida.
Em 1871, a família mudou-se para Odessa, na Ucrânia, e logo em seguida seus pais se divorciaram. Sob a tutela de uma tia e da avó maternas, que lhe contavam histórias de fadas, o menino foi despertado para o folclore e para as artes. Como suas notas escolares em desenho eram boas, quando ele completou dez anos, o pai contratou um professor de desenho. Mas ele mostrou-se mais interessado em seguir a profissão de advogado, sendo um brilhante aluno no curso de Direito.
Estava com 30 anos quando entendeu que a arte seria o caminho de sua realização pessoal e, finalmente assumiu sua vocação: recusou uma cadeira na Universidade de Dorpat, na Estônia, em 1896, abandonado o Direito para dedicar-se à pintura.
Em 1895, realizara-se em Moscou uma exposição dos impressionistas franceses, e Kandinsky sentiu-se totalmente arrebatado pelo quadro Montes de Feno de Monet . Nascia, assim, nesse primeiro vislumbre de eliminação do objeto enquanto mera imitação, a arte que se chamava abstrata. Até esse momento, Kandinsky só conhecia a pintura descritiva da escola russa, e agora rendia-se ao poder dramático e expressivo da cor pura.
Era esse impulso que lhe faltava para dedicar-se inteiramente à pintura. Arrumou as malas e partiu para estudar em Munique, acompanhado de sua prima, Anya Ticheyeva, com quem se casara em 1892.
Munique era para Jandinsky a materialização dos contos de fadas de sua infância. E ele desconhecia as dificuldades fiananceiras, pois seu pai lhe dava uma generosa mesada. Morava no bairro boêmio de Schwabing e estudava na escolade arte de Anton Azbe, a mais famosa da cidade naquele momento. Mas não tardou a se cansar das aulas de anatomia, preferindo pintar por conta própria ou sair pelas ruas do velho Schwabing para fazer desenhos e esboços.
Depois matriculou-se na classe de Franz von Stuck, da Academia Real de Munique, mas Stuck desesperava-se com as cores vibrantes e os efeitos exagerados que seu aluno produzia. Ali, Kandinsky conheceu Paul Klee, que seria um de seus melhores amigos.
Apesar de sua natureza reservada, Kandinsky era hábil administrador e gostava de lidar com pessoas. Em Munique, criou associações de artistas e exposições. A primeira delas foi o grupo Phalanx, criado em 1901, que viria a ser o foco da vanguarda artística alemã, o Jugendstil, equivalente ao movimento Art Nouveau em Paris. Em 1902 conheceu Gabriele Münter, que foi de início sua aluna e depois sua amante, contribuindo para o fim do seu casamento com Anya.
Como sua situação financeira continuava privilegiada, Kandinsky não tinha urgência em vender seus trabalhos; podia, então, enveredar-se pela experimentação em busca de novas técnicas e dedicar-se às viagens de que tanto gostava. Em companhia de Gabriele, costumava desaparecer por muitos meses em viagens pela Itália, França, Suíça e África. Entre 1906 e 1907, o casal instalou-se em Sèvres, nos arredores de Paris.
Mergulho na cor
Em 1908, eles se mudaram para um espaçoso apartamento na Ainmillerstrasse, em Munique; compraram também uma casa em Murnau, uma exótica e pequena cidade mercantil na Alta Bavieira, onde o pintor russo Alexei von Jawlensky juntou-se a eles. Tendo estudado com Matisse, Jawlensky encorajou Kandinsky a pintar a paisagem à sua volta, simplificando as formas e utilizando as cores brilhantes e iluminadas dos fovistas.
De volta a Munique, Kandinsky retomou os temas já trabalhados, simplificando-os de tal forma que as linhas e a cor, em vez dos objetos propriamente ditos, se tornassem o veículo para expressar suas emoções e sensações. Certa ocasião, ao entrar em seu estúdio no fim da tarde, ficou impressionado com uma tela cujo tema não conseguia reconhecer na semi-obscuridade, mas era um quadro de beleza indescritível. Logo ele reconheceu nele um de seus próprios quadros…colocado de ponta-cabeça. Foi nesse momento que ele saltou definitivamente para a abstração. Compreendia, enfim, que a descrição realista de objetos comuns não tinha a menor importância para sua arte.
Os esforços de Kandinsky para aperfeiçoar a abstração em seus trabalhos não deixaram muito animados nem os críticos de Munique nem seus amigos. Depois de um desentendimento sério, abandonou um grupo que ele mesmo formara em 1911 e criou o Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul), juntamente com Franz Marc. As duas primeiras exposições, em 1911 e 1912, foram retumbantes e mostraram por meio de uma variedade de formas, as muitas maneiras pela quais o artista manifesta suas emoções.
Assim como Kandinsky, seu novo amigo Schönberg desafiava as ideias convencionais da composição. Kandinsky amava a música e tinha amplos conhecimentos teóricos: em 1912 publicaria no almanaque do Der Blaue Reiter um artigo sobre música, além de uma melodia de sua autoria. No mesmo ano publicou seu primeiro livro, Da Espiritualidade na Arte, onde defende sua teoria sobre cores.
Essa foi uma de suas fases mais produtivas, reforçou sua amizade com Franz Marc, Paul Klee, Hans Arq e August Macke, que renovavam a pintura alemã e formavam, no plano europeu, o centro das artes complementar à escola de Paris.
A guerra eclodiu em agosto de 1914, e Kandinsky viu-se forçado a sair da Alemanha num prazo de 24 horas. Deixou Gabriele e partiu, via Suíça e os Bálcãs, de volta para Rússia, onde chegou em 12 de dezembro. Pouco depois, fez uma rápida viagem até Estocolmo para participar de uma exposição, e foi ali que viu Gabriele pela última vez.
Experiência na Bauhaus
Kandinsky ficou na Rússia até 1921. Este foi um período de privações e dificuldades, devido à revolução que chegou logo depois da guerra. Havia escassez de suprimentos, a mesada generosa que recebia não era de tanta valia pois não havia o que comprar. Mas, todas aquelas dificuldades foram atenuadas pela presença de Nina Andreyewsky, uma bela moscovita, bem mais jovem que Kandinsky, com quem ele se casaria em 11 de fevereiro de 1917, e que ficaria sempre a seu lado.
Entre 1914 e 1921 ele pintou apenas quarenta quadros porque faltavam-lhe tintas e telas. Em 1918, tornou-se membro da Seção de Artes Visuais no Comissariado para Educação Popular. Contribuiu para a instalação de 22 museus nas diversas províncias e inaugurou o Instituto de Cultura Artística, em 1919, e a Academia Russa de Ciências Artísticas, em 1921. Mas seus ideais de rejuvenescimento espiritual por meio da arte foram postos por terra.
Voltou para Alemanha ainda em 1921, na esperança de viver com lucro da venda de seus quadros, que havia deixado na Galeria Der Sturm. Mas descobriu que seus quadros já não valiam tanto assim, viu-se na miséria. Perdera dois amigos na guerra, Franz Marc e August Macke. Seu velho amigo Paul Klee conseguiu-lhe um emprego na Bauhaus.
Kandinsky ficou impressionado pela aparência progressista da escola. A partir de então recomeçou a pintar. Também estabeleceu seus princípios de construção geométricas no livro Ponto e Linha na Superfície, publicado em 1926. Esse período na Bauhaus foi o de produção mais intensa e também aquele em que seu gênio encontrou mais amplo reconhecimento.
Mas os dias da Bauhaus estavam, contados. A organização foi rotulada de reduto da anarquia e do bolchevismo pelos mesmos políticos que mais tarde iriam se alistar no Partido Socialista Nacional de Hitler. Kandinsky e sua mulher, por serem russos, eram sem dúvida suspeitos, e foram injustamente denunciados por um jornal como agitadores. A escola Bauhaus foi forçada a deixar Weimar e transferiu-se para Dessau em 1925, mesmo assim, a perseguição nazista prosseguiu até 1933, quando o grupo foi forçado a se desfazer.
Reconhecimento tardio
Em virtude do clima político tenso e instável, Kandinsky mudou-se para a França, onde passaria o resto da sua vida. Instalou-se num apartamento do Boulevard de la Seine, Neuilly, com vista para Bois de Boulogne. Em casa, recebia amigos, a maioria artistas estrangeiros, trabalhando em Paris, como Jean Arp e Piet Mondrian. Tornou-se ainda mais reservado. Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, em 1939, e os materiais ficaram novamente escassos, Kandinsky substituiu as grandes telas por cartolina e madeira.
Em 1940, as tropas alemãs ocuparam a França, seguindo-se quatro anos de domínio nazista. Kandinsky, com mais de 70 anos e recolhido em melancólica depressão, produzia esparsamente. Finalmente, sofrendo de esclerose, cansado e ainda não plenamente reconhecido, morreu em 13 de dezembro de 1944, poucos dias depois de completar 78 anos.