A Casa Modernista da Rua Santa Cruz, de autoria do arquiteto de origem russa Gregori Warchavchik (1896–1972), projetada em 1927 e construída em 1928, é considerada a primeira obra de arquitetura moderna implantada no Brasil.
Neste período, São Paulo passava por um intenso processo de industrialização e urbanização, com a formação de uma burguesia sintonizada com os costumes da belle époque parisiense e a intensificação de imigração para fornecimento de mão-de-obra fabril, refletidas na criação de bairros inteiramente novos.
No campo cultural, a cidade testemunhava manifestações artísticas de ruptura e diálogo com a tradição nas áreas da literatura, das artes plásticas e da música, sendo a Semana de Arte Moderna de 1922 o evento mais emblemático do movimento moderno que buscava se construir.
Tal efervescência cultural, no entanto, não encontrava correspondência na área da arquitetura, sendo que somente em 1925 seria publicado o primeiro manifesto voltado à proposição de uma nova postura moderna, “Acerca da Arquitetura Moderna”, de autoria de Gregori Warchavchik.
O primeiro exemplar arquitetônico só viria três anos mais tarde, com a construção da casa da Rua Santa Cruz, Vila Mariana, São Paulo – SP.
Projetada para abrigar a residência do arquiteto, recém-casado com Mina Klabin, filha de um grande industrial da elite paulistana, a casa gerou forte impacto nos círculos intelectuais e na opinião pública em geral, com a publicação de artigos em jornais dos mais diversos espectros políticos, favoráveis ou contrários à nova orientação estética proposta.
Destituída de qualquer ornamentação e formada por volumes prismáticos brancos, a obra era tão impactante para a época que, para conseguir obter aprovação junto à prefeitura, o arquiteto apresentou uma fachada toda ornamentada, e quando concluiu a obra, alegou falta de recursos para completá-la.
Além da edificação, mereceu destaque o jardim, projetado por Mina Klabin, devido ao uso pioneiro de espécies tropicais.
Warchavchik, em carta destinada ao secretário do CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna), Siegfried Giedion, relatava as inúmeras dificuldades que teve que enfrentar durante a construção – desde a aprovação já mencionada à dificuldade de encontrar componentes industrializados, como ferragens, maçanetas, placas, tintas, etc., o alto preço de materiais como cimento e vidro e a formação técnica da mão de obra.
No entanto, alguns historiadores apontam contradições presentes na obra, não aceitando totalmente a justificativa dada pelo arquiteto.
Em primeiro lugar, a fachada frontal obedece a um eixo de simetria que não é rebatida em planta nas dependências internas.
Em segundo lugar, a casa, que aparentava ter uma geometria própria para a racionalização da construção, era na realidade toda construída segundo técnicas tradicionais.
A platibanda esconde um telhado em quatro águas de telha colonial, causando a impressão de se tratar de uma cobertura em laje.
No entanto, o que interessa desse debate, é notar que se trata de uma obra pioneira, de transição, que necessariamente expressa as contradições da época.
Sobre o aspecto construtivo, lembremos que as Villas ideais de Le Corbusier, produzidas à mesma época na França, apresentam contradições similares e nem por isso são questionadas quanto a sua importância para o processo de renovação iniciado por este arquiteto.
Em 1935 a casa passa por uma reforma, quando o arquiteto procura adequá-la para a família que crescia, ao mesmo tempo em que experimentava alterações na lógica da circulação e na composição dos volumes.
O acesso principal passa a se realizar pela lateral, onde foi acrescida uma marquise; a cozinha é ampliada e a varanda lateral é suprimida, dando lugar a uma ampliação da sala de estar que ainda ganha um novo volume curvo, cuja laje dá lugar a um novo terraço que circunda o quarto da esposa; além do novo terraço, o piso superior ganha algumas modificações, como a inserção de um novo sanitário servindo o quarto do marido e de um closet, entre o quarto da esposa e o quarto do filho, anteriormente, quarto de costura.
Durante a segunda guerra mundial, o jardim passa por uma ampliação, na qual Mina Klabin planta um bosque de eucaliptos rente ao muro de divisa frontal, para que a família se resguardasse do hospital nipo-brasileiro que estava em construção em frente à casa – judeus e japoneses estavam em lados opostos na guerra.
Neste período, a garagem também é ampliada para receber uma oficina de gasogênio (combustível substituto da gasolina durante a guerra).
Nos anos seguintes, pequenas alterações ocorrem, conforme mudavam as necessidades da família, mas de modo geral, o conjunto manteve-se com as mesmas feições até os dias de hoje.
A família residiu ali até meados dos anos 70, quando decide vender a propriedade. Em 1983 entra em cena uma construtora com o projeto de implantar na área um condomínio residencial, denominado “Palais Versailles”, combatido imediatamente pela população local, que cria a “Associação Pró-Parque Modernista”, se mobilizando pela defesa da casa e de sua área verde.
Em 1984, o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo) tomba o conjunto, através da Resolução SC 29/84; seguido pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), processo 1121-T-84; e, posteriormente, pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), Resolução 05/91.
Com isso, o empreendimento se inviabiliza, e os proprietários entram na justiça contra o Estado.
Durante o transcurso do processo judicial, o imóvel permanece abandonado, sem que o proprietário fosse obrigado a responder pela manutenção, resultando daí um rápido processo de deterioração.
Em 1994, é dada a sentença, na qual o Estado é obrigado a indenizar o proprietário e a comprar o imóvel – situação que não reverteu o processo de deterioração, devido à falta de política de ocupação e conservação do imóvel, sendo este objeto de furtos e invasões frequentes.
Somente nos anos 2000 são realizados projetos e obras para a recuperação do imóvel, divididas em uma primeira etapa entre 2000 e 2002 e, posteriormente, entre 2004 e 2007.
Com orçamento reduzido, no entanto, somente a casa principal foi objeto de restauro e conservação, faltando ainda a recuperação da edícula e da área do parque.
Em março de 2008, a prefeitura do município de São Paulo passa a ser permissionária do imóvel, tendo o governo do Estado transferido a ela a responsabilidade pelo seu uso e manutenção.
Trabalhos emergenciais foram realizados para a reabertura do parque e da casa em agosto de 2008, contando com programação musical e equipe de educadores patrimoniais, sob coordenação da Divisão do Museu da Cidade de São Paulo.
Em dezembro de 2011 foi contratado projeto executivo para o restauro e adequação da casa e edículas, contemplando a valorização dos bens existentes, a implantação de espaços de convivência no parque, adequação à acessibilidade e criação de um espaço de referência para o estudo do modernismo em São Paulo, buscando diversificar o público visitante.
O projeto já foi finalizado e após a contratação e finalização das obras serão implementadas as atividades culturais em consonância com as diretrizes traçadas pelo museu.
A casa e o parque permanecem abertos e oferecem serviço educativo aos visitantes.
Quem foi Gregori Warchavchik?
Arquiteto de origem russa que se radicou no Brasil a partir de 1923, conhecido como o introdutor da arquitetura moderna no Brasil.
Nascido em 1896 em Odessa, onde iniciou seus estudos em arquitetura. Em 1918 obteve o grau de arquiteto no Instituto Superior de Belas Artes de Roma.
Trabalhou durante dois anos com o importante arquiteto italiano Marcello Piacentini, com quem realizou diversas obras na Itália.
Em 1927, realizou o projeto da residência da Rua Santa Cruz, Vila Mariana em São Paulo, considerada a primeira casa modernista no Brasil, que surge como uma revolução no panorama arquitetônico paulistano.
Escreveu diversos manifesto polêmicos na imprensa da época, sempre defendendo o movimento moderno em detrimento do provincianismo da arquitetura que aqui se realizava.
Nos anos 30, associa-se ao arquiteto carioca Lucio Costa quando projetam diversos conjuntos habitacionais no Rio de Janeiro.
Deixou uma grande obra construída, sendo hoje das mais importantes referências para o estudo da arquitetura moderna no Brasil
Casa Modernista – Museu da Cidade de São Paulo. Rua Santa Cruz, 325 – Vila Mariana – São Paulo/SP. Aberta e terça a domingo, das 9h às 17h. Entrada franca
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