Jheronumus (ou Jeroen) Anthonissen van Aken – conhecido e admirado em todo o mundo como Hieronymus Bosch – nasceu por volta de 1450 na província holandesa do Brabante Setentrional, muito provavelmente na pequena cidade de ‘s-Hertogenbosch, da qual é quase certo que derivou seu sobrenome artístico.
Acredita-se que a família era originária de Aachen, na Alemanha, conforme sugere o sobrenome, e estabelecera-se na Holanda ainda no início do século 15. Anthonius van Aken, o pai de Bosch, era pintor, assim como o avó, Jan, dois ou quatro tios, o irmão Goossen – que herdou a oficina paterna – e uma irmã (Heberta ou Katherine).
Vida Tranquilia
Pouco se sabe sobre a vida de Bosch, mas parece que teve uma infância tranquila e confortável, numa casa abastada, onde religião e arte eram assuntos de fundamental importância. A partir de 1462, passou a residir num casarão da Grote Market, a praça mais importante de ‘s-Hertogenbosch, onde estava instalada a feira de tecidos, principal riqueza da cidade.
Os Van Aken mantinham estreitas relações com a Catedral de São João, edifício gótico que constituía um dos maiores orgulhos da população local. Anthonius recebeu encomendas para decorar peças de mobiliário e colorir estátuas, e é possível que Jan tenha pintado um afresco sobre a Crucifixão, datado de 1444.
Entre as escassas informações sobre a biografia de Bosch, nenhuma fornece indicações a respeito de seu aprendizado. Alguns estudiosos aventam a hipótese – não comprovada – de que tenha estudado em algum centro próximo, como Uthecht, onde teria entrado em contato com as iluminuras que influenciaram sua obra em determinado período. É mais provável, no entanto, que tenha se iniciado na arte sob a orientação do pai ou de um dos tios (o avô havia morrido na época de seu nascimento).
Por volta de 1480 ou 1481, Bosch possivelmente recebeu o grau de mestre na corporação dos pintores de ‘s-Hertogenbosch. Na mesma época, é citado pela primeira vez como marido de Aleyt Goyaerts van den Meervenne, com quem se casara em cerca de 1478. Alguns anos mais velha e proveniente de uma rica família local. Aleyt sem dúvida favoreceu com polpudo dote e ajudou-o a estabelecer importantes contatos sociais. Através do casamento, Bosch tornou-se proprietário de terrenos da vila vizinha de Oorschot e vários outros imóveis, que lhe permitiram viver confortavelmente até seus últimos dias. Acredita-se que sua vida amorosa transcorreu feliz, num lar tranquilo e sem filhos.
Livre espírito e vida comum
A bizarra e fantástica natureza da arte de Bosch levou a algumas especulações extravagantes sobre sua vida. Uma das teses mais conhecidas, proposta por Wilhelm Fränger, sugere que o pintor pertencia ao grupo Homines Intelligentiae, organização satélite da seita dos Irmãos e Irmãs do Livre Espírito, também conhecidos como adamitas. Esta seita herética surgira no século 13 e, durante o século 15, difundira-se pela Alemanha, Holanda e Bélgica.
Para seus adeptos, toda a humanidade seria salva desde que recuperasse a inocência de Adão e Eva no Paraíso perdido, e o meio mais eficaz de atingir tal objetivo seria a prática do ato sexual em promiscuidade ritualística. De acordo com essa tese, o célebre tríptico O Jardim das Delícias focalizaria a orgia ritual de alguns adamitas de ‘s-Hertogenbosch. Não há, contudo, prova alguma de que Bosch – ou qualquer outra pessoa da cidade – pertencesse à seita do Livre Espírito, nem que esta tenha sobrevivido até a época da elaboração do tríptico.
Muito mais viável é a hipótese de que Bosch tenha participado da Irmandade da Vida Comum, uma das muitas confrarias religiosas que proliferavam em ‘s-Hertogenbosch. Criada no século 14 por Gerhard Grote, discípulo do grande místico e eremita flamengo Jan van Ruysbroeck, e levada para a cidade de Bosch na primeira metade do século 15, a Irmandade pregava um novo espírito de vida religiosa, combatendo ao mesmo tempo as seitas heréticas e a corrupção do clero.
A firme devoção de seus adeptos leva-os a renunciar aos apelos do mundo e a partilhar tudo o que possuíam. As ideias da Vida Comum devem ter exercido forte influência sobre a religiosidade e a arte de Bosch, que as teria apreendido tanto nas reuniões a que provavelmente comparecia como nas obras de místicos flamengos contemporâneos que também as adotavam.
Irmandade de Nossa Senhora
Foram possivelmente as mesmas ideias que ocasionaram profunda mudança na orientação da Irmandade de Nossa Senhora. Fundada em 1318, a Irmandade durante quase um século dedicou-se basicamente a tarefas ligadas ao culto, sobretudo ao culto mariano; seus membros homens e mulheres, leigos e religiosos, tratavam, entre outros encargos, de providencias novas composições musicais para suas missas diárias e encomendar obras de arte para adornar sua própria capela na Catedral de São João, onde mantinham uma imagem da Virgem tida como miraculosa.
Sabe-se que a mulher de Bosch era membro da Irmandade de Nossa Senhora, na qual o pintor ingressou em 1486 ou 1487. Seu nome, porém, começou a constar dos registros da confraria alguns anos antes. Estes informam, por exemplo, que em 1480-81 Bosch comprou da Irmandade dois retábulos que seu pai deixara inacabados; não há maiores explicações a respeito, mas é provável que tivesse adquirido as obras com a intenção de concluí-las.
Mais tarde, entre 1488 e 1492, Bosch pintou as portas de um retábulo de madeira sobre Nossa Senhora, cujo painel central fora esculpido em 1476-77 por Adriaen van Wesel, de Utrecht. Em 1493-94, foi encarregado de elaborar o projeto de um vitral para a nova capela da Irmandade. Entre 1499 e 1503, os registros silenciaram a seu respeito, supondo-se que, nesse período, Bosch tenha viajado para a Itália.
Honras fúnebres
No início do século 16, Bosch era já um artista conhecido dentro e fora de seu país. Em 1504, recebeu sua mais importante encomenda documentada. Filipe o Belo, Duque de Borgonha, encarregou-o de pintar um grande retábulo sobre o Juízo Final, que nunca foi encontrado. Alguns acreditam que haja um fragmento dessa obra em Munique e que o tríptico com o mesmo título conservado em Viena constitua uma versão menor do retábulo.
Em seus últimos anos, Bosch trabalhou assiduamente para a Irmandade de Nossa Senhora, para qual, entre outras obras, projetou um crucifixo em 1511-12 e um candelabro em 1512-13. É tudo que se sabe sobre ele nesse período. A notícia seguinte informa que no dia 9 de agosto de 1516 foram celebradas na capela da Irmandade solenes honras fúnebres pelo “defunto irmão Jheronimus van Aken, aliás Bosch, insigne pintor”.