Michelangelo

Michelangelo
   

Michelangelo di Ludovico Buonarroti Simoni nasceu no dia 6 de março de 1475, na cidade italiana de Caprese, mas ainda recém-nascido, foi levado pelos pais, Francesca e Ludovico di Leonardo Buonarroti Simoni, para Florença. Nessa cidade toscana as artes floresciam graças ao emprenho da família Medici. A poucos metros da casa do pequeno Michelangelo, Sandro Boticelli (1445-1510) criava A Primavera, Leonardo da Vinci (1452-1519) pintava A Adoração dos Reis Magos e na vizinha Urbino nascia Rafael Sanzio (1483-1520).

INFÂNCIA

Ao contrário da grande maioria dos artistas da Renascença, Michelangelo nasceu numa família de certa posição social, descendente de duas gerações de banqueiros. Por isso, os pais não gostaram quando o jovem resolveu seguir o caminho da arte. Naquele tempo, os artistas não tinham posição de destaque: eram vistos como meros artesãos, na mesma categoria dos pedreiros ou pintores de parede. Mas Michelangelo não se deixou abater. Aos 13 anos, abandonou a escola para trabalhar como discípulo do pintor Domenico Ghirlandaio (1449-1494).

Dono de Personalidade forte, após uma curta experiência como pintor, Michelangelo trocou Ghirlandaio pelas aulas do escultor Bertoldo di Giovanni, que trabalhava para Lorenzo de Medici. Porém, mais que aluno, Michelangelo foi um  autoditada que percorria as igrejas da cidade fazendo desenhos baseados em obras de Giotto e Masaccio. E aprendeu a técnica do manuseio das ferramentas de escultor com peças emprestadas por um pedreiro.

Aos 6 anos, Michelangelo perdera a mãe e fora entregue aos cuidados de uma ama-seca que fazia parte de uma família de canteiros, operários que cortavam pedras para construções. Na cabeça do rapaz solitário misturaram-se o trabalho manual, o afeto familiar e o entalhe das pedras, uma conjunção de fatores que o próprio artista considerava fundamentais para sua carreira.

OS MEDICI

O encontro que mudaria sua vida deu-se durante os estudos com Bertoldo di Giovanni. Foi na mansão dos Medici que Michelangelo conheceu Lorenzo, Il Magnifico. Além de político hábil, Lorenzo era um mecenas: apoiava artistas locais, fazendo-lhes encomendas de obras, ou convencendo outros cidadãos importantes a pedirem esculturas e pinturas aos jovens criadores. Um dos primeiros biógrafos do artista, Giorgio Vasari, conta que numa das aulas, enquanto Michelangelo esculpia um fauno de boca escancarada, Lorenzo, de passagem pelo jardim, teria olhado com interesse a figura mitológica metade homem, metade bode criada pelo jovem escultor. Observou, então, ao artista que os velhos nem sempre tinham todos os dentes intactos como o seu fauno. Assim, que ele saiu, o escultor – já iniciando a busca pelo realismo da representação – arrancou um dos dentes com cinzel, escavando um buraco em seu lugar.

No dia seguinte, Lorenzo voltou, viu a obra e afeiçoou-se por seu criador. Il Magnifico reconheceu naquele momento estar diante de um grande potencial e, desejando ser o descobridor de um futuro gênio convidou Michelangelo a morar em seu palácio. Para convencer a família do artista, deu ao pai do rapaz um emprego público. Assim, de 1490 até a morte de Lorenzo, em 1492, o jovem viveu em meio ao fausto e à cultura, tomando contato com os intelectuais de Florença que estavam moldando o que, mais tarde, viria a ser  conhecido como Alta Renascença:  Marcílio Ficino, Landino e Poliziano.

Por sugestão de Poliziano, Michelangelo esculpiu A batalha dos Lápitas, um relevo de mármore, material abundante na Itália. No mesmo período fez outro relevo, a Madona das Escadas, em que já se pode sentir a força da dramaticidade do artista. Nessas duas obras ele definiu a dualidade temática que iria marcar sua obra: o contraste entre os temas extraídos ora da Antiguidade Clássica, ora da  cristandade. Anos mais tarde, em Roma, retomou essa dualidade, e não mais a abandonou.

Mas a política cruzou seu caminho e obrigou-o a interromper o calmo aprendizado na tranquilidade do palácio. Em 1492, morreu Lorenzo. Pouco antes, um pregador religioso fanático, Girolamo Savonarola, invadira as praças de Florença com um discurso violento contra as liberdades sociais e artísticas geradas pela Renascença e, em especial, contra a família que mais representava isso: os Medici. Piero, filho de Lorenzo, foi expulso da cidade após a morte do pai e a família, banida da região. Para Michelangelo foi um momento delicado, pois era conhecido como protegido dos Medici. Resolveu que ra hora de partir.

ESTUDOS DE ANATOMIA

Saindo de Florença, abrigou-se em Bolonha. Estava desorientado: perdera o grande incentivador, a cidade em que descobrira seus modelos, o convívio com as cabeças pensantes, e não podia voltar para o lar, pois o pai não aprovava sua opção pela arte. Michelangelo aproveitou esse intervalo na carreira para estudar anatomia. Acreditando na beleza do corpo humano, partiu do ideal de descobrir como ele funcionava por baixo da casca exterior.

Para artistas como ele e Leonardo da Vinci, não bastava a mera cópia das aparências. Era preciso recriar, no mármore ou na pintura, a vida em toda a sua intensidade, identificando nos cadáveres como se articulava a musculação, a fim de  refazê-la em contorções miraculosas nas figuras de suas estátuas. Mas dessecar seres era uma atividade ilegal na época: Michelangelo teve o apoio do superior do Convento do  Espírito Santo, para durante a noite, abrir mendigos mortos e remexer na criação divina com suas mãos. Desenhava tudo oque descobria. Mais tarde, retribuiu a gentileza do superior esculpindo-lhe um crucifixo de madeira.

MALANDRAGEM

Entretanto, a falta de dinheiro desesperava-o. Um amigo, comerciante de arte, sugeriu que Michelangelo usasse seu talento numa pequena malandragem artística. Sabendo da paixão das elites por antiguidades clássicas, pediu-lhe que fizesse uma estátua imitando, nos mínimos detalhes, os entalhes romanos para, depois, aplicar sobre ela uma pátina – a camada esverdeada resultante da oxidação do tempo que cobre, em geral, objetos antigos de bronze. A meta era enganar o cardeal Riario, de Roma, que compraria o Cupido Adormecido, de Michelangelo, como uma obra romana antiga.

O religioso foi mais esperto. Ciente de estar diante de uma falsificação, ainda assim tinha o olhar aguçado o bastante para compreender a genialidade da criação. Pagou uma fortuna pela obra, mas exigiu o nome do escultor, que imediatamente chamou à sua presença. Em Roma, Michelangelo viu-se cercado de oportunidades de trabalho, entre elas encomendas do banqueiro Jacopo Galli, que se tornaria seu grande amigo e conselheiro financeiro. Em 1496, esculpiu para Galli um Baco: a representação do deus do vinho, bêbado, enganou a posteridade e por muitos anos foi tomada como uma obra clássica.

Pietá (1498)
Pietá (1498)

PIETÁ

Aconselhado por Galli, o cardeal francês Jean Villiers encomendou a Michelangelo uma Pietá, gênero artístico que, como sugere o nome (piedade), mostra a dor de Maria ao carregar o Cristo morto, após a crucificação. Michelangelo vasculhou Roma em busca de rostos tipicamente judaicos para representar a Mãe e o Filho. A forma da Pietá era uma criação alemã, mas Michelangelo substituiu a dureza do realismo germânico pela serenidade da pirâmide de sentimentos na qual moldou o Cristo embalado no colo pela Mãe, contida e resignada. Uma amostra trágica da força dessa  obra ocorreu em 1972, quando um louco quase a destruiu em seu lugar de exposição, na Basílica de São Pedro, no Vaticano. Hoje a preciosidade está protegida por um vidro blindado.

DAVI

Davi, em Florença
Davi, em Florença

Durante sua temporada romana, o clima político em Florença tranquilizara-se. Transformada em república após a expulsão dos Medici, a cidade queria celebrar a paz e a liberdade conquistadas com arte e pediu a Michelangelo, em 1501, que representasse o espírito reinante com uma grande obra.

Apesar das antigas ligações políticas, ele parecia ser o único capaz de enfrentar as dificuldades do trabalho, já que deveria esculpir um bloco de mármore de mais de 4 metros que tinha uma imensa fenda bem no centro. Outros artistas tinham recusado a proposta da cidade, alegando que a tarefa era impossível. Michelangelo concluiu que a solução ideal seria usar a figura bíblica de Davi. Assim, aproveitando a forma da pedra, utilizou o defeito a seu favor: o peso do corpo foi colocado sobre a perna direita da figura, contrabalançando essa flexão com a funda apoiada sobre o ombro. O efeito final dava a sensação de uma ação prestes a se realizar: a derrubada do gigante Golias. Seu Dai também era um gigante, em tamanho e genialidade artística. Custou 18 meses de trabalho árduo e o resultado é impressionante. Dá para imaginar o entusiasmo dos florentinos, velhos admiradores do pequeno Davi. Afinal, como ele, o povo derrubara o Golias político das famílias poderosas de Florença. Quando a escultura ficou pronta, em 1504, Michelangelo deixou claro que a estátua deveria permanecer como aviso eterno aos chefes da cidade de que deveria ser sempre governada com justiça.

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Enquanto esculpia Davi, Michelangelo foi procurado por um amigo de infância, Angelo Doni, que lhe pediu um favor incômodo: uma pintura para dar à esposa, Maddalena Strozzi, como presente de casamento. Embora há muito distante dos pincéis, Michelangelo não pôde recusar o pedido, e fez o que se chamou depois de Doni Tondo (redondo). O motivo escolhido não podia ser outro já que prenunciava a formação de uma nova família: a Sagrada Família (José, Maria e o Menino Jesus) em primeiro plano, com João Batista ao fundo e um grupo de nus que, mais uma vez, traía a dualidade do artista ao unir o clássico profano ao religioso cristão.

Os historiadores de arte não têm dúvidas de que a obra  foi influenciada pela Virgem e o Menino com Santa Ana, de Leonardo da Vinci,

A RELAÇÃO COM PAPA JÚLIO II

Seu envolvimento com o poder eclesiástico iria determinar o curso de sua carreira e de suas criações. Júlio II, que de religioso tinha pouco, acabara de ser sagrado papa, e iria marcar sua época mais como guerreiro e chefe de Estado que como líder espiritual. Mas Sua Santidade seguia a tendência dos poderosos de proteger os artistas e tirou Michelangelo da disputa de afrescos com Leonardo da Vinci para trazê-lo para Roma em 1505. O papa, zeloso da sua imortalidade e consciente dos perigos a que se expunha nas muitas guerras, desejava construir seu túmulo. Ou melhor, como definiu o artista, a “tragédia do túmulo”.

A encomenda atazanou o escultor por 40 anos de constantes modificações, sempre para menor e para pior. O projeto inicial previa um monumento com 40 esculturas em tamanho natural na Basílica de São Pedro. Mas a cada conversação com Júlio II o plano ideal reduzia-se mais e mais. Quando finalmente ficou pronto, o que o túmulo da papa (concluído por seus descendentes) tinha de mais extraordinário era Moisés. Diz a lenda  que Michelangelo , ao ver sua escultura do patriarca hebreu pronta, ficou tão entusiasmado que deu um golpe de cinzel no joelho da estátua, exigindo que falasse.

Mas Júlio II era, e vivia em brigas com o artista. Numa delas, ao ser perguntado sobre que livro gostaria de ver carregando numa estátua sua, Júlio II disparou sobre o pobre artista: ” Não quero livros: ponha uma espada, porque não sou homem para ser lembrado por literatura”. Michelangelo trabalhou antes para outro pontífice, Leão X, para quem  criou as setes estátuas da Capela dos Medici, em Florença, mas Júlio II foi, sem dúvida, o patrão mais irascível e surpreendente, ainda que em geral as surpresas fossem desagradáveis.

CAPELA SISTINA

Ainda assim, em 1508, Michelangelo aceitou a encomenda do papa para pintar os afrescos da abóboda da Capela Sistina, no Vaticano. Mas não aceitou sem antes espernear e recusar a ordem, pois insistia que seu talento era para escultura e não para pintura, e chegou a enfurecer o para com negativas, dizendo que não sabia pintar. “Pois então aprenda, e faça”, gritou-lhe Júlio II. Aquilo tocou fundo na alma do artista, que acabou por dedicar-se a ela com obsessão.

Criação de Adão no teto da Capela Sistina.
Criação de Adão no teto da Capela Sistina.

De início, contou com ajudantes para auxiliá-lo na tarefa gigantesca, mas perfeccionista, brigou com eles e dispensou-os após algumas semanas, resolvido a fazer o teto sozinho e exigindo total privacidade, sem observadores. Subia todo dia nas imensas estruturas de madeira construídas para pintar a abóboda e passava horas em pé, com o corpo contorcido sob o teto. Não parava nem para comer, fazendo-o em meio às pinceladas. Reservava as noites para desenhar os cartões que lhe serviam de molde para as pinturas diurnas. ” Eu moro aqui, em minha labuta e fadiga física. Não tenho amigo de nenhum tipo, e nem quero. Não tenho sequer tempo de comer o que preciso”, escreveu o artista, acometido por dores nos olhos, nos braços e na coluna.

Para piorar seu sofrimento, o papa incomodava-o com perguntas sobre quando tudo ficaria pronto, “Quando eu terminar”, berrava-lhe, dos andaimes, o furioso Michelangelo. As paredes da capela já tinham sido pintadas antes por outros artistas com cenas das vidas de Moisés e Cristo. Assim Michelangelo resolveu decorar o teto com a história bíblica, da criação do homem até Noé. Nos lados da abóboda, pintou figuras de profetas e sibilas. No todo, era uma representação completa da história do mundo segundo o ponto de vista cristão.

Faltava apenas decorar a parede do altar, o que Michelangelo só fez mais tarde, de 1536 a 1541, com a conclusão lógica do painel que idealizara: o Juízo Final. Encomendado por Clemente VIII e, depois, por Paulo III, o afresco é uma exposição de emoção impressionante, um retrato dramático e vivo do dia do Julgamento Divino da humanidade, uma obra-prima. É obra nascida de fortes agitações no mundo exterior e no interior do artista. Reagindo à Reforma protestante, a Igreja atacava com a Contra-Reforma e a Companhia de Jesus: O Deus de Michelangelo aparece irado.

HOMOSSEXUALIDADE

Acima de tudo, o artista estava cansado, entristecido pela desilusões e preocupado com a chegada da morte. Sua vida pessoal era também motivo de grande sofrimento. Homossexual, o artista dividia-se entre a atração pelo jovem nobre romano Tommaso de Cavalieri, que conhecera em 1532, e o temor das leis da Igreja que a desaprovavam. Essa luta transparece com clareza em sua poesia. Após o Juízo Final, Michelangelo só pintaria mais dois afrescos, para a Capela Paulina, e nunca mais tocaria nos pincéis.

RETORNO À ESCULTURA

Afinal, como escreveu seu amigo Vasari, “a pintura não era  coisa para velhos”, e ele já estava com quase 75 anos. Voltou-se, então, para seu primeiro amor artístico: a escultura. E novamente os Medici entraram em sua vida. As primeiras encomendas de esculturas que recebeu foram da célebre família Florentina, para um mausoléu aos muitos mortos do clã. Sua capela, na Igreja de São Lourenço, em Florença, ganhou sete esculturas para as tumbas de Lorenzo e Giuliano, cujas fazes Michelangelo fez voltadas para Madona. Estátuas representando o dia, a noite, a aurora e o crepúsculo são figurações da presença do campo terreno em oposição ao espiritual com a morte.

Escadaria tríplice.
Escadaria tríplice.

Louvado na velhice, Michelangelo, ao mesmo tempo em que trabalhava nesse monumento, foi convidado a projetar a Biblioteca Laurenciana, na Igreja de São Lourenço, para a qual idealizou um desenho inovador: uma escadaria tríplice desemboca num vestíbulo, cuja arquitetura engana as expectativas dos olhares acostumados às obras renascentistas.

MANEIRISMO

O mestre foi arquiteto grande o bastante para superar o seu próprio movimento artístico e adentrou no Maneirismo. Seu trabalho de construtor chamou a atenção da Santa Sé, que voltou a contratá-lo, desta vez para projetar a nova Basílica de São Pedro. Michelangelo fez questão de desenhar inclusive os uniformes usados até hoje pela guarda suiça que protege o papa. E aproveitou para transformar as ruínas das termas do  imperador Diocleciano em Igreja, revertendo um símbolo pagão num monumento cristão.

Michelangelo rompeu o antigo padrão de servilismo dos artistas e surgiu como um dos primeiros artistas-gênio reconhecido e respeitado por todos. Nunca antes dele um artista conseguira tornar tão transparente a comunhão entre o ato físico, rude, da criação e a ideia que engendra essa ação.

Pensar numa forma e criá-la são sinônimos em sua arte magistral. “Eu digo que a pintura me parece tanto melhor quanto mais tende para a escultura, e a escultura tanto pior quanto tende para a pintura”, costumava definir.

MORTE

Em 14 de fevereiro de 1564, com quase 89 anos, Michelangelo sofreu um derrame, e morreu no dia 18. Pouco antes da sua morte, desabafou em confissão ao cardeal Salviati: ” Sinto muito não ter feito o bastante para salvar minha alma, e ainda mais por morrer agora em que estou começando a aprender meu ofício”.

2 comentários em “Michelangelo”.

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  1. Gostei muito da matéria, mas fiquei muito incomodada com o termo pejorativo “homossexualismo”. Sabemos que a forma correta de designar pessoas que sentem atração sexual por pessoas do mesmo sexo é “homossexualidade”.
    É muito importante editar a matéria e trocar o termo.

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