“ Sabe quando pintei meus primeiros violões eu nunca havia segurado um com as minhas próprias mãos?
Com o primeiro dinheiro que me proporcionaram, comprei um violão de depois disso nunca mais pintei outro.
As pessoas pensam que as touradas de meus quadros foram copiadas da vida real, mas estão enganadas.
Eu costumava pintá-las antes de ter visto uma, para ganhar dinheiro a fim de pagar o meu bilhete.
Você fez realmente o que planejou fazer?
Ao sair de casa, você não modifica muitas vezes o seu itinerário sem dar por isso?
Com isso você deixa de ser você mesmo?
E, de um modo ou de outro, não chega aonde pretendia ir?
E, mesmo se não chegar, que importa?
A razão é que você não precisava ir, em primeiro lugar, e estaria errado em forçar o destino.
Uma ideia é um ponto de partida, e nada mais.
Se você contemplá-la, verá que se torna uma outra coisa.
Quando penso muito sobre alguma coisa, vejo que sempre a tive completa, em minha cabeça.
Como, então, esperar que continue a interessar-me por ela?
Se eu persistir, ela se revela de maneira diferente, porque uma outra questão intervém.
No que me concerne, de qualquer modo, minha ideia original já não tem interesse, porque, enquanto, a realizo, estou pensando em alguma outra coisa.
O importante é criar. Nada mais importa; a criação é tudo.
Você já viu um quadro terminado?
Um quadro, ou qualquer outra coisa?
Ai de você, o dia que disserem que você terminou!
Terminar uma obra? Terminar um quadro? Que absurdo!
Terminá-lo significa acabar com ele, mata-lo, livrar-se da sua alma, dar-lhe o seu golpe final: uma situação extremamente infeliz, tanto par o pintor como para o quadro.
O valor de uma obra reside precisamente que ela não é.
Você se lembra daquela cabeça de touro exposta recentemente?
Com o guidão e o selim de uma bicicleta fiz uma cabeça de touro que todos reconheciam como cabeça de touro.
Dessa maneira, completou-se uma metamorfose; agora, eu gostaria de ver outra metamorfose ocorrer na direção oposta.
Suponhamos que a minha cabeça de touro seja jogada no lixo.
Talvez algum dia uma pessoa chegará e dirá: ‘ Ora, ali está alguma coisa que seja muito boa para usar como guidão para a minha bicicleta…’
Assim, uma dupla metamorfose se teria realizado.”
Fragmento de texto retirado do manuscrito escrito por Jaime Sabartes “Retratos y Recuerdos” – 1935
Sabartes foi amigo de Picasso e por sugestão do artista, escreveu sua biografia, provavelmente uma das mais pormenorizadas dentre quantas se escreveram sobre Pablo Picasso.
Uma resposta
Olá equipe do site História das Artes, parabéns pelo conteúdo do site.
Abraços,
Andréia