A National Gallery de Londres não foi a primeira coleção de quadros aberta ao público. Os papas, na metade do século 18, foram os primeiros a abrir suas galerias aos visitantes e Napoleão Bonaparte, por volta de 1800, fundou grandes pinacotecas públicas em metade da Europa, partindo do projeto do Louvre.
A National Gallery possui, porém, outra excepcional primazia: foi a primeira pinacoteca do mundo a ser idealizada como serviço público. Os documentos preliminares que levaram à sua constituição, a modernidade e a ousadia dos objetivos impressionam, por exemplo, foi estabelecido que a coleção de quadros seria constituída não só para a formação dos artistas ou para o simples prazer dos visitantes cultos, mas também para quem não podia se permitir uma coleção particular. Em segundo lugar, decidiu-se que o visitante tinha o direito e não a permissão de entrar lá e que a entrada devia ser rigorosamente gratuita (como é ainda hoje). E não foi só isso. Nas primeiras décadas do seculo 19, podia acontecer que a entrada em um museu fosse subordinada à maneira correta de vestir-se e, às vezes, a um pequeno exame feito para verificar se o visitante estava adequadamente vestido e, portanto, digno de entrar. Lá não acontecia nada disso. Aliás, a National Gallery de Londres foi o primeiro museu do mundo a permitir a entrada às crianças. Isso não tanto pelo amor aos pequenos, mas para tornar possível a visita de quem não poderia se permitir babás ou serviçais que ficassem em casa para cuidar deles.
O forte objetivo didático e a extraordinária acessibilidade sempre foram elementos predominantes na vida desse museu. Chegou-se até a consequências extremas . Talvez não seja o caso de dizer que a liberalíssima National Gallery tenha sido uma das galerias mais visitadas por loucos. Em 1914, uma feminista possuída entrou no museu londrino com um punhal no bolso e dirigiu-se a passos largos à A toalete de Vênus, de Diego Velázquez. E, declarando querer assassiná-la, apunhalou principalmente o sublime travesseiro da deusa, que depois foi carinhosamente costurado pelos restauradores (o restauro é totalmente invisível).
Em 1987, também aconteceu que um ex-militar com graves problemas psíquicos conseguiu entrar na National Gallery armado com um fuzil disparando bem no peito da pobre Santa Ana da Virgem e o Menino, Santa Ana e São João Batista de Leonardo da Vinci. Alguns visitantes também conseguiram escapar com um quadro debaixo do braço, mas deve-se ressaltar que sempre se tratou de gentlemen. E, 1961, por exemplo, um ladrão cavalheiro levou o Retrato do Duque de Wellington, de Francisco Goya. Colocou o anúncio no jornal para pedir um resgate de cento e cinquenta mil libras, especificando que o valor serviria para fazer caridade. E quando percebeu que nenhum leitor tinha se importando com seu apelo, deixou o quadro são e salvo no depósito de bagagens da estação de Birmingham. Depois, entregou-se à Scotland Yard. Os juízes foram indulgentes com ele: prescreveram-lhe somente três meses de prisão.
Claro que esses episódios não traçam as características da instituição, pelo contrário, a proteção e o incremento do patrimônio da National Gallery sempre foram prioridade absoluta para londrinos e ingleses, desde a sua fundação, quando lutaram para deixar as próprias coleções para a nova instituição, ou fizeram propagando sistemática nos jornais para angariar fundos destinados à aquisição de obras de arte consideradas importantes.
E tanto foi o cuidado que durante a Segunda Guerra Mundial todo o patrimônio da National Gallery foi escondido em uma caverna na Escócia, dotada de ar condicionado para que as pinturas e as telas não se desgastassem demais. No pós-guerra, no entanto, aplicou-se pela primeira vez o “Financial Act”, ou seja, o instrumento jurídico que permite pagar os impostos com obras de arte. E a National Gallery tem sido muito beneficiada com essa contribuição.
ORIGENS
Inaugurada em 10 de maio de 1824, começou de fato em 1823, quando o primeiro-ministro de Jorge IV, Lord Liverpool, decidiu aceitar a oferta de aquisição da coleção de arte que rico comerciante John Julius Angerstein, o verdadeiro fundador de Lloyds, havia reunido. Na origem da ideia, na verdade, estava o poderoso presidente da Royal Academy e pintor do rei Sir Thomas Lawrence. É seu quadro, datado de 1827, no qual Lord Liverpool aparece representado, em pose magnificente e olhar decidido, empunhando os documentos de papel enrolados sobre os quais se lê a inscrição “National Gallery”.
A National Gallery constitui uma exceção entre os grandes museus europeus estatais: ao contrário do Louvre, e Paris, dos Uffizzi, em Florença, do Kunsthistorisches, em Viena, ou do Prado, em Madri, formados a partir de coleções reais ou principescas, em Londres foram os comerciantes e os colecionadores apaixonados a imaginar um museu para difundir e partilhar coim grande público o gosto pelas obras de arte. Fruto da cultura da alta burguesia mercantil inglesa, a pinacoteca começou desde a sua fundação, a comprar obras-primas, sem uma política bem definida, mas com o belo faro de colecionador e os conhecimentos dos seus diretores.
Quando a sede de Pall Mall se tornou insuficiente para acolher as novas aquisições, foi construída, em 1838, uma nova sede permanente, do lado norte de Trafalgar Square: um edifício imponente, projetado por William Wilkins, arquiteto capaz, mas pouco criativo, no estilo austero monumental da fachada que ainda hoje vemos. Será a rainha Vitória que, um ano depois de subir ao trono, em 1838, irá inaugurar a nova National Gallery, antecipando-se ao interesse pela pintura antiga e moderna do príncipe Alberto, com quem casará em 1840, e abrindo o caminho à nova política cultural da Coroa.
Hoje, com seus mais de 2.200 quadros, a coleção de Trafalgar Square representa um dos mais ricos museus do mundo. Repleto de obras-primas, fácil de visitar, completo e ordenado com um bom manual de história da arte e, sobretudo, como desde 1838, gratuito.
AS OBRAS
Nas obras-primas mais célebres, a National Gallery reflete, nas suas coleções, a presença das principais escolas pictóricas: a pintura italiana detém uma indubitável preponderância, a começar pelos quadros do século 18 (Giotto, Duccio), continuando com as grandes escolas renascentistas do Vêneto (Pisanelo, Mantegna, Giovani Bellini, Giorgione, Ticiano, Veronese)e da Itália Central (Masaccio, Piero della Francesca, Boticelli, Leonardo, Rafael). Não menos significativa é a presença de obras-primas nórdicas dos século 15-16 de mestres como Van Eyck, Van der Weyden, Memling, dürer, Holbein. A pintura do século 17 propõe o maravilhoso núcleo flamengo-holandês (Rubens, Van Dyck, Vermeer, Rembrandt), co a preseça de mestres internacionais: Caravaggio, Velázquez, Claude Lorrain. Passando pelas excepcionais obras do século 18 do Vênteto (Canaletto, Tiepolo), chega-se ao século 19 com grandes paisagistas românticos ingleses (Constable, turner) e à refinada presença de obras impressionistas e pós-impressionistas (Seurat, Renoir, Cézanne).
The National Gallery. Trafalgar Square, Londres. Aberta diariamente das 10h às 18h, Sexta, das 19h às 21h. Fechada 1 de janeiro e de 24 a 26 de dezembro. Gratuita. Clique aqui e veja o Mapa do Museu.
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