Nesta carta para um critico sobre um artigo que escreveu sobre a sua obra e as cores usadas, o artista sai em defesa dos artistas Adolphe Monticelli e Paul Gauguin.
Van Gogh em carta para Albert Aurier, Saint Rémy , 12 de fevereiro de 1890.
“ Muito obrigado pelo seu artigo no Mercure de France, que muito me surpreendeu.
Gosto muito dele como uma obra de arte em si mesmo; em minha opinião, as suas palavras produzem cor; em suma, redescubro minhas telas em seu artigo, mas melhores do que são na realidade, mais ricas, mais significativa.
Sinto-me, porém, pouco à vontade quando penso que aquilo que o Senhor diz refere-se antes a outros do que a mim mesmo.
Monticelli em particular, por exemplo. Ao dizer, como o Senhor faz ‘ Ele é, ao que eu saiba, o único pintor a perceber o cromatismo das coisas com tal intensidade, com essa qualidade metálica, esse brilho de pedra preciosa’.
Se o Senhor fizer o favor de ir ver, na casa de meu irmão, um certo arranjo de flores de Monticelli – um arranjo em branco, miosótis azuis e laranja – então sentirá aquilo que quero dizer.
Mas os melhores, os mais surpreendentes Monticellis estão há muito na Escócia e Inglaterra.
Num museu do norte – em Lisle, acredito – deve haver ainda uma maravilha dele, com uma outra riqueza, e certamente tão francês quanto à “Partida para Citera” de Watteau.
Neste momento, o sr.Lauzet está empenhado na reprodução de cerca de trinta obras de Monticelli
Aí está, pelo que sei, não há colorista que descenda tão diretamente, em linha reta, de Delacroix; e não obstante sou de opinião que Monticelli provavelmente só conhecia as teorias da cor de Delacroix indiretamente, isto é, ele as recebeu mais particularmente de Diaz e Ziem.
Parece-me que o temperamento artístico de Monticelli é exatamente o mesmo do autor do Decameron – Boccaccio – um homem melancólico, e infeliz bastante resignado, que viu passar a festa de casamento pintando e analisando os amantes de sua época – ele, o que foi posto de lado.
Ah, ele não imitou Boccaccio mais do Henri Leys (pintor belga) imitou os primitivos.
O que quero dizer é que aprece que coisas ditas em relação ao meu nome teriam sido melhor ditas em relação a Monticelli, a quem tanto devo.
E, além disso, devo muito a Paulo Gauguin, com quem trabalhei em Arles durante alguns meses, e a quem já conhecia de Paris.
Gauguin, aquele artista curioso, aquele estranho de quem o ar e os olhos lembram o ‘Retrato de um homem’, de Rembrandt, que está na Galeria Lacaze – esse amigo gosta de nos fazer sentir que um bom quadro deve equivaler a um bom ato; não que ele diga isso, mas é difícil ter intimidade com ele sem pensar numa certa responsabilidade moral.
Poucos dias antes de nos separarmos, quando minha doença me obrigou a ir para um hospício, tentei pintar o ‘seu lugar vazio’.
É um estudo de sua cadeira de braços, de uma madeira marron-vermelho escuro, o assento de palha esverdeada, e no lugar do ausente, uma luz acesa e romances modernos.
Se tiver oportunidade, tenha a gentileza de ver esse estudo, como uma recordação dele; é fato totalmente em tons misturados de verde e vermelho.
O Senhor talvez compreenda então que o seu artigo teria sido mais justo, e em consequência mais vigoroso, parece-me, se, ao discutir a questão do futuro da ‘pintura tropical’ e das cores, tivesse feito justiça a Gauguin e Monticelli, antes de falar de mim.
Isso porque a parte que me toca, ou que me será creditada, será, asseguro-lhe, muito secundária.”
Uma resposta
Um trabalho extraordinário sobre Van Gogh!