Anton van Dick nasceu em Antuérpia, em 22 de março de 1599; era o último filho de Frans van Dyck e de sua segunda esposa, Mary Cuypers. Seu pai era um próspero comerciante de seda e especiarias, que começava a vida como vendedor ambulante.
Aos 8 anos, Van Dyck perdeu a mãe. Sua educação artística começou na mais tenra idade: em 1609, com apenas 10 anos, já era aprendiz do célebre pintor de figuras Hendrick van Balen. Aos 14 anos pintava quadros admiráveis; aos 15, realizou um autorretrato digno do pincel de um mestre; aos 16, já havia instalado num estúdio próprio. Além de excepcionalmente precoce, Van Dick era muito ambicioso e, em 1615, deixaria Van Balen para montar seu estúdio, ainda em Antuérpia, contratando assistentes. Com isso, porém, ele desobedecia às normas da associação de pintores, pois não podia vender suas obras antes de ser oficialmente qualificado como mestre.
Durante os primeiros anos de Van Dick, Rubens predominava no cenário artístico de Antuérpia. Seu gênio representava um desafio para qualquer jovem pintor e isso com certeza estimulou a busca prematura de Van Dick pela independência e pelo reconhecimento. Teria sido ainda a exemplo de Rubens, igualmente bem-sucedido como diplomata e homem de corte, que Van Dick se dispôs a adotar maneiras aristocráticas e a cultivar uma imagem de homem refinado. Van Dick inspirou-se também no estilo de Rubens, assimilando-o com surpreendente facilidade.
A FAMA PREMATURA
Em 11 de fevereiro de 1618, Van Dick registrava-se como mestre na Associação dos Pintores de Antuérpia. Nesse mesmo ano fez sua primeira associação direta com Rubens, que desenhava um conjunto de tapeçarias, cujo tema era história do cônsul romano Decius Mus, para um cliente em Gênova. Tudo indica que Rubens contratou Van Dyck para executar os modelos em cartão a partir de seus desenhos. Dois anos mais tarde, com apenas 21 anos, Van Dyck seria nomeado assistente-chefe de Rubens na grande incumbência de executar as pinturas do teto (atualmente destruídas) da Igreja Jesuíta de Antuérpia. Era um sinal evidente de seu êxito profissional. Enfim, durante todo esse tempo, Van Dyck foi mais um auxiliar que um aluno de Rubens.
Em 1620 a reputação de Van Dyck estava firmemente estabelecida em Antuérpia. Em julho desse mesmo ano, a condessa de Arundel, de passagem pelo cidade a caminho da Itália, pousou para Rubens; o secretário da condessa, Francesco Vercellini, escreveu para o conde de Arundel, em Londres, sobre o progresso da obra, acrescendo uma nota a respeito do jovem pintor: “Van Dick ainda está com o Senhor Rubens e dificilmente suas obras são menos apreciadas que as de seu mestre; ele é um jovem de 21 anos e seu pai, que é muito rico, vive na cidade; assim, será difícil para ele deixar este quinhão, tanto mais ao ver a boa sorte de Rubens”. A carta sugere que o conde interessava-se pelos serviços de Van Dyck; apesar das considerações de Vercellini, o pintor sentiu-se claramente tentado pela perspectiva de visitar a Inglaterra. Em novembro de 1620, finalmente, chegou a Londres, onde ficaria por três meses.
Essa curta temporada foi importante para o artista na medida em que ele estabeleceu contato com dois dos maiores colecionadores ingleses: o próprio Conde de Arundel e seu poderoso rival, o Duque de Buckingham. Van Dyck realizou trabalhos para ambos, pintando um retrato do conde e produzindo uma bela pintura histórica para o duque. Também teve contato com as coleções de pinturas deles, o Conde de Arundel possuía 36 pinturas de Ticiano, enquanto o duque dispunha de uma vasta coleção de obras de Veronese.
O PERÍODO ITALIANO
De volta a Antuérpia m 1621, no outono desse mesmo ano Van Dyck partiu para a Itália; instalando-se primeiramente em Gênova, talvez a conselho de Rubens, que se encatara com a cidade durante uma viagem à região. Era uma cidade sob medida para o pintor: rica, elegante, com senhores poderosos. Os marqueses, que se denominavam “magníficos, viviam como soberanos em mansões que mais pareciam palácios.
Tratava-se de redutos acessíveis a poucos, onde os maridos reinavam; mais que outras cidades italianas, as genovesas eram devotadas à reclusão. Eram mulheres recatadas e tímidas por temperamento – característica que Van Dyck captou e registrou magistralmente em seus retratos. Foi em Gênova, portanto, que ele se definiu como retratista da aristocracia. Nos retratos que pintava em Antuérpia, Van Dyck há se distanciara da rígida formalidade do retratismo flamengo tradicional. Agora, sob a influência renovadora da arte italiana, e tendo diante de si o exemplo dos retratos genoveses executados por Rubens, seu estilo expandia-se intensamente. O artista passou a conceber retratos de um refinamento sem paralelos.
É evidente que Van Dyck sentia-se à vontade nos magníficos palazzi de seus clientes aristocratas; o biógrafo seiscentista Bellori descreveu assim sua chegada a Gênova: “Suas maneiras eram de um cavalheiro e não as de um homem comum, pois formara seus hábitos no estúdio de Rubens, em meio a nobres. Era também orgulhoso por natureza e ávido pela fama. Usava vestes luxuosas trazia plumas em seu chapéu, correntes de ouro ao longo do peito e fazia-se acompanhar de servos”.
Inesperadamente, talvez, e ao contrário de Rubens, Van Dyck não empreendeu uma extensa viagem turística pela Itália. Era um viajante seletivo parece ter decidido de antemão o que queria fazer – seus cadernos de notas registram obras de Ticiano, Veronese e outros venezianos notáveis, juntamente com esboços de cenas de rua. Enfim, na maior parte do tempo Van Dyck permaneceu em Gênova, onde encontrou um mercado receptivo para seus retratos. Foi um longa temporada italiana: Van Dyck só retornaria a Antuérpia em 1627, levado pela morte da irmã, Cornélia.
Os seis anos seguintes também estariam entre os mais bem-sucedidos e produtivos de sua carreira: trabalhou continuamente para a Igreja e era sempre muito solicitado como retratista. Em maio de 1630, seria indicado como Pintor da Corte e fez numerosos retratos da Regente Isabel e de seu séquito. modificando o estilo suntuoso de seus retratos italianos para adaptar-se ao ambiente mais austero da corte de Bruxelas. Também executou obras mitológicas, como no surpreendente Rinaldo e Armida, adquirida por Carlos I em 1629. No Rinaldo de Van Dyck ecoavam os mestres venezianos e, como as pinturas italianas dominavam o gosto dos colecionadores ingleses, a tela causou entusiasmo em Londres; certamente influiu na decisão de Carlos I de chamar Van Dyck para a Inglaterra. No início de 1632, sem dúvida encorajado pelo Conde de Arundel, Carlos convidou Van Dyck para sua corte.
PINTOR DA CORTE INGLESA
Várias razões levaram-no a aceitar o convite: embora tivesse firmado uma carreira de sucesso em Antuérpia, Van Dyck sentia uma forte atração pela vida da corte, e Carlos, que se tornara rei em 1625, conquistara a reputação de generoso patrono das artes. Van Dyck ficou alojado numa casa em Blackfriars às expensas reais, dispunha também de uma residência de verão em Eltham e recebia uma pensão anual. Em 5 de julho de 1632 recebeu a nomeação de cavaleiro, e no ano seguinte foi presenteado com uma corrente de ouro. Bellori fornece uma viva descrição do estilo de vida de Van Dyck em Londres. Segundo o biógrafo, sua casa era frequentada pela mais alta nobreza da época; a exemplo do rei, os nobres gostavam de observá-lo enquanto trabalha e de passar o tempo em sua companhia. Durante nove anos que viveu na Inglaterra, Van Dyck pintou cerca de trinta retratos em grandes dimensões, além de receber uma infindável sucessão de encomendas da aristocracia.
UM HOMEM ATRAENTE
Embora não fosse alto, Van Dyck era bem proporcionado. Seu nome tem sido romanticamente associado a mulheres que lhe serviam de modelos, e ele teve uma filha ilegítima, Maria Teresa, que não ficou esquecida em seus testamento. Sua amante oficial era a impetuosa Margaret Lemon, descrita como uma mulher perigosa e um demônio de ciúme que criava cenas horríveis quando uma mulher da sociedade londrina posava para Van Dyck sem uma dama de companhia. Conta-se, ainda, que durante uma crise de ciúme, ela teria tentado arrancar com os dentes o polegar de seu amante, para impedi-lo de pintar novamente.
Embora bem recebido na Inglaterra, Van Dyck não deixava de visitar sua pátria, e talvez pretendesse regressar um dia definitivamente, pois comprou em Antuérpia uma propriedade próxima do Château de Steen, a residência de campo que Rubens iria adquirir no ano seguinte. Depois que Rubens morreu, em 1640, Van Dyck empreendeu repetidas viagens à sua cidade natal – há quem afirme que reclamava, então, o lugar de principal pintor de Flandres. Mas se obtivesse tal honra, não teria tempo para usufruí-la: morreria em Londres, em 1641.
Outros desapontamentos turvaram os últimos anos de Van Dyck. A despeito de seu talento como retratista, ele acalentava o sonho de ser um pintor histórico, como Rubens, e sempre esperou por uma encomenda de vulto por parte do rei Carlos. E, 1629 teciam-se planos para uma série de telas decorativas para a Câmara da Rainha, em Greenwich, mas Van Dyck foi excluído do projeto, entregue a Jacob Jordeans, outro assistente de Rubens. Em janeiro de 1641, viajou a Paris na esperança de obter uma grande encomenda por parte de Luís XIII, que planejava decorar a galeria principal do Louvre. Mas voltou de mãos vazias.
Houve apenas uma nota alegre nesses últimos anos: seu casamento, no início de 1640, com Mary Ruthven, uma das damas de companhia da rainha da Inglaterra. O casamento, porém, não seria duradouro, porque a tuberculose que já o atormentava havia algum tempo, acabou por derrotá-lo; Van Dyck morreu em 9 de dezembro de 1641 De seu casamento restou uma filha, com apenas 8 dias de vida.