Filho ilegítimo de uma obscura Caterina e de um certo Piero, abastado notário florentino, Leonardo nasceu na pequena cidade de Vinci, perto de Florença, no dia 15 de 1452. Como o pai não lhe deu o nome, passou para a posteridade como Leonardo da Vinci, celebrizando para sempre o vilarejo onde veio ao mundo.
Praticamente nada se sabe sobre sua infância, Parece que foi criado pelo pai (segundo alguns biógrafos, pelo avô materno), e começou a pintar e desenhar em tenra idade. Segundo relata o artista e historiador de arte Giorgio Vasari, Piero ficou tão impressionado com os trabalhos do filho que um dia os mostrou a Andrea del Verrocchio, pintor, escultor e ourives florentino de grande prestígio na época. Entusiasmado, Verrocchio aceitou o jovem como um de seus muitos aprendizes, obrigando-o, em troca de lições de arte, a desempenhar tarefas tão pouco estéticas, quanto varrer o chão.
Por volta dos 20 anos, Leonardo alcançou um nível mais alto na hierarquia de aprendizes e passou a ajudar o mestre na realização de suas pinturas, atribuindo-lhe o anjo do seu quadro O Batismo de Cristo (c.1472). Para Vasari, a autoria de Leonardo é indiscutível; o historiador chega a relatar que Verrocchio deixou de pintar, envergonhado por verificar que o discípulo o superava.
Tido já como artista “formado”, em 1472 Leonardo ingressou na Corporação dos Pintores de Florença no grau de mestre, o que lhe permitia estabelecer-se como pintor independente. Contudo, preferiu continuar trabalhando com Verrocchio, possivelmente como seu assistente. Não se sabe por quanto tempo ficou na oficina do mestre, mas é certo que ainda trabalhava ali em 1476, pois o local é citado numa acusação anônima de homossexualismo feita conta Leonardo nesse ano – e arquivada por falta de provas.
O efervescente mundo florentino
Florença era então uma república independente – a Itália como país só se configurou na segunda metade do século 19 -, governada por Lourenço de Medici, “o Magnífico”. Desde que assumira o poder, em 1469, Lourenço firmara alianças com Estados vizinhos, como Milão, Ferrara, para manter a paz em seus domínios, assegurando a prosperidade econômica e o desenvolvimento das artes e das ciências.
Nesse clima de euforia cultural, é bastante provável que Leonardo tenha entrado em contato com grande parte dos homens que moldavam o pensamento renascentista na península italiana, como o matemático, físico e astrônomo Paolo Toscanelli, um dos mais celebrados eruditos locais, em cuja casa se reuniam sábios de Florença e outras cidades.
Jovem e bonito, amável e bem-humorado, inteligente e instruído, Leonardo movia-se nesse mundo de intelectuais e artistas com notável desembaraço, conquistando o afeto e a admiração de quantos o conheciam. No íntimo, porém, nutria profunda descrença da sociedade, tendo declarada certa vez: “Sozinho, eu sou eu mesmo por inteiro; em companhia, eu sou eu mesmo só pela metade.”
Apesar das boas graças de que gozava nos meios florentinos e de sua obsessiva prática do desenho, Leonardo não era frequentemente requisitado pelos mecenas locais. Ao que se sabe, depois que deixou a oficina de Verrocchio, provavelmente no final da década de 1470, executou poucas pinturas, a mas importante das quais – A Adoração dos Magos, encomendada em 1481 pelos monges de São Donato a Scopeto, perto de Florença – ficou inacabada. Embora lhe reconhecessem o talento, os ricos senhores de Florença parece que temiam contratar seu trabalho, pois já então Leonardo tinha fama de não entregar as encomendas. Tão logo resolvia o problema de uma composição ou experimentava uma técnica, geralmente perdia o interesse pela obra e procurava outro desafio.
A partida para Milão
Desesperançoso de ganhar a vida em Florença, por volta de 1482 Leonardo resolveu tentar a sorte no ducado de Milão e escreveu uma carta a Ludovico Sforza, “o Mouro”, oferecendo seus préstimos de arquiteto, escultor, pintor e engenheiro militar. Como sabia que o milanês planejava erigir um monumento em memória do pai, aproveitou o ensejo para candidatar-se também à execução da escultura. “Em paz, creio que posso dar-lhe tanta satisfação quanto qualquer outro na construção de edifícios públicos e privados”, escreveu. “Posso executar esculturas em mármore, bronze e argila, e em pintura posso fazer tanto quanto qualquer um, seja quem for. Mais, eu me encarregaria da encomenda do cavalo de bronze que preservará com glória imortal e honra eterna a auspiciosa memória de seu pai e a ilustre casa dos Sforza.”
A carta surtiu efeito, e pouco depois Leonardo encontrava-se em Milão. Em abril de 1483, assinou contrato com o prior da Igreja de San Francesco Grande para realizar uma pintura de altar até dezembro do mesmo ano. A obra – A Virgem dos Rochedos – não foi concluída no prazo, e dela existem duas versões que até hoje suscitam discussões entre os estudiosos.
Mal iniciara a pintura, Leonardo já planejava o monumento a Francesco Sforza, pai de Ludovico. Sua ideia era ousadamente original: em lugar da usual escultura equestre empertigada e estática, pretendia elaborar um cavalo empinando-se, com o cavaleiro altivo em seu dorso. O monumento teria quase 8 metros de altura e seria realizado em bronze. A tarefa não era fáil, e Leonardo demorava-se em encontrar soluções de ordem prática para problemas fundamentais, como, por exemplo, o de apoiar todo o peso da enorme escultura sobre as duas patas traseiras do cavalo. Cansado de esperar, por volta de 1489 Ludovico Sforza começou a procurar outro escultor.
Enquanto a busca prosseguia, Leonardo, assumiu a função de mestre de festividades da corte milanesa, dedicando-se à criação de maquinaria teatral e brinquedos mecânicos. O tempo corria, o procurado escultor não se encontrava em parte alguma e Leonardo recebeu autorização para retomar o monumento. Em novembro de 1493 ele por fim apresentou O Grande Cavalo – sem o cavaleiro – moldado em argila no tamanho definitivo. Agora cabia a Sforza providenciar 90 toneladas de bronze necessárias para fundir a estátua.
O trabalho sofreu interrupção, durante a qual Leonardo começou a executar A Última Ceia, imenso mural encomendado pelo mosteiro da Igreja de Santa Maria delle Grazie. Tão logo souberam do encargo, artistas e devotos da região iniciaram verdadeiras romarias ao mosteiro para admirar a obra ainda em andamento. Em lugar do afresco – técnica geralmente usada em murais, aplicando-se o pigmento sobre a argamassa úmida – o pintor resolveu utilizar óleo sobre a superfície seca. O resultado foi desastroso, e anos depois a pintura começou a descascar irremediavelmente.
O ápice da carreira
Aos 42 anos, Leonardo, havia alcançado o apogeu, apesar das experiências malogradas e dos trabalhos inconclusos. Admirado e respeitado por mecenas e artistas, tinha sua própria oficina de aprendizes e nunca esteve tão ocupado. O monumento a Francesco Sforza continuava resumido ao modelo de argila – Ludovico destinara o bronze para a fabricação de canhões – e a obra jamais se concretizou. Destruído pouco depois pelos invasores franceses, tudo que dele resta são os magníficos desenhos de cavalos.
Cumulado de afazeres, Leonardo não tinha tempo para lamentar mais um projeto que deixou de concretizar. Andava muito ocupado com um belo jovem conhecido apenas como Salai, que tomara como seu protegido. Fazia anotações sobre pintura, para um livro que jamais redigiu – a partir dessas notas, escritas em sua curiosa caligrafia invertida, legível somente no espelho, organizou-se o Tratado sobre Pintura, publicado pela primeira vez em 1651. Estudava plantas e pássaros, movimento da água e anatomia humana – envolvendo-se cada vez mais com a dissecação de cadáveres – e inventava. Desse estágio milanês, data seu primeiro fluxo de invenções, que incluía até um helicóptero.
A par de tantas realizações, ainda planejava grandiosas obras de arquitetura, urbanismo e engenharia civil. Seus projetos previam, entre outras coisas, um impecável sistema de esgotos e a assombrosa construção de vias públicas em dois andares, sendo o térreo para veículos e o superior para pedestres.
Ludovico, porém, demonstrava pouco interesse por tais planos, preocupado que estava com a defesa da cidade. Desde que subira ao trono da França, em 148, Luís XII demonstrava intenções de apoderar-se de Milão, proclamando-se herdeiro dos Visconti, família que governara o ducado antes dos Sforza. Apesar de todas as precauções de Ludovico, em agosto de 1499, os exércitos franceses invadiram Milão; em fevereiro de 1500, “o Mouro”, reorganizou suas forças e conseguiu rechaçá-los, mas foi novamente derrotado em abril do mesmo ano.
Antes que se consumasse a queda de Ludovico, Leonardo partiu para Veneza, acompanhado por Salai. Meses mais tarde, retornou a Florença, após dezoito anos de ausência, sendo recebido calorosamente. Durante sua segunda estada florentina, tornou-se o maior especialista em anatomia humana de seu tempo e também empreendeu três grandes projetos artísticos.
Provavelmente em 1503, após breve atuação como engenheiro militar do ambicioso César Borgia, elaborou a Mona Lisa, ou La Gioconda, talvez sua obra mais famosa, e começou a trabalhar em numerosas versões de Sant’Ana, a Virgem e o Menino, procurando solucionar o problema de unir numa só composição duas figuras de adultos e uma ou duas crianças.
A morte em terra francesa
Em 1506, pressionado pelas autoridades florentinas, retornou a Milão, ainda ocupada pelos franceses. Sob a proteção de Charles d’Amboise, o vice-rei estrangeiro, desenhava febrilmente, prosseguia em seus estudos de anatomia e envolvia-se como o jovem Francesco Melzi, que elegeu como protegido em 1508 e mais tarde adotou como filho.
Talvez tivesse permanecido em Milão até o fim da vida se, em 1513, uma aliança entre Vaticano, Veneza, Suíça, Espanha e Inglaterra não tivesse expulsado os franceses e restaurado um Sforza – filho de Ludovido, “o Mouro” – no governo do ducado. Pouco à vontade sob o novo senhor, aos 61 anos de idade, Leonardo mais uma vez pegou seus pertences e acompanhado por Salai e Melzi, partiu para Roma. Ao que parece, esperava contar com a proteção do papa Leão X, filho de Lourenço de Medici, mas dele não recebeu grande atenção e menos ainda encomendas.
Sua fama, entretanto, havia ultrapassado fronteiras e chegara aos ouvidos de Francisco I, o novo soberano francês, que o convidou a habitar o castelo de Cloux, residência real próxima a Amboise, na província de Touraine. Sem pensar duas vezes, em 1516 ou 1517, Leonardo instalou-se em seu novo lar.
Velho, debilitado, com a mão direita parcialmente paralisada por um ataque, escrevia sem cessar, como se temesse não ter tempo. Certa vez anotou num de seus cadernos: “Assim como um dia bem passado traz um ano feliz, assim a vida bem vivida traz a morte feliz”. E talvez tenha falecido feliz em 2 de maio de 1519, poucas semanas após completar 67 anos de uma existência inteiramente dedicada à arte e à ciência.
Uma resposta
Meu nome é Leonardo em homenagem ao Da Vinci, hoje pesquiso e leio bastante sobre ele.
Parabéns pelo texto, ficou excelente. Adoro o ponto de vista artístico dele