Para os admiradores de Arte é sempre interessante entender o que o Artista pensou ao planejar sua obra.
Paul Gauguin explica os por que e porquês de uma obra, publicado no manuscrito “Cahier pour Aline” Taiti, 1893.
“Uma jovem canaca está deitada de bruços, mostrando parte do rosto assustado.
Repousa sobre um leito guarnecido por um pareô azul e um lençol amarelo-cromo claro.
O fundo é de violeta púrpura, semeado de flores parecendo fagulhas elétricas; uma figura estranha está ao lado do leito.
Seduzido por uma forma, um movimento, pinto-os sem nenhuma outra preocupação a não ser executar um nu.
Tal como é, constitui um estudo de nu um tanto indecente, e, no entanto o que quero é realizar um quadro casto dando-lhe o espirito canaca, seu caráter, sua tradição.
Como o pareô está intimamente ligado à existência de um canaca, faço dele o revestimento do leito.
O lençol de fibra deve ser amarelo, porque essa cor suscita no espectador algo de inesperado; como ele sugere o clarão de uma lâmpada, isso me induz a criar um efeito de lâmpada.
Preciso de um fundo um pouco terrível.
O violeta é o mais indicado.
Aí está armada a parte musical do quadro.
Nessa posição um tanto ousada, que estará fazendo a jovem canaca toda nua no leito?
Preparando-se para o amor?
Isso combina com seu caráter, mas é indecente e não o quero.
Dormindo?
Então o ato amoroso acaba de se realizar, o que continua a ser indecente.
Vejo apenas o medo.
Que tipo de medo?
Certamente não de uma Susana surpreendida pelos velhos.
Tal coisa não existe na Oceania.
O Tupapau (Espírito dos Mortos) é o indicado.
Para os canacas, é o medo constante.
À noite uma lâmpada permanece acesa.
Ninguém circula pelas estradas quando não há lua, a não ser que haja uma lanterna e ainda assim em grupos.
Uma vez encontrado meu tupapau, apego-me a ele, e faço dele o motivo do quadro.
O nu passa para segundo plano.
Que significará para uma canaca uma alma do outro mundo?
Ela não conhece teatro, a leitura de romances, e, quando pensa num morto, pensa necessariamente em alguém que já viu.
Minha alma do outro mundo só pode ser uma mulherzinha qualquer.
Sua mão se adianta como que para apanhar a presa.
O senso decorativo me leva a salpicar o fundo de flores.
Flores de tupapau, fosforescências, indício de que a alma do outro mundo se preocupa com você. Crenças do Taiti.
O titulo Manao tupapau tem duplo sentido: a canaca pensa na alma ou a alma pensa na canaca.
Recapitulemos. Parte musical: linhas horizontais ondulantes; combinações de laranja e azul ligadas por amarelos e violetas, seus derivados, iluminados por fagulhas esverdeadas.
Parte literária: o Espírito de uma vida ligado ao Espírito dos mortos. A Noite e o Dia.
Essa gênese foi escrita para aqueles que estão sempre querendo saber os por que e os porquê.
Senão, é simplesmente um estudo de nu da Oceania.”
Este manuscrito pertence a Coleção A. Conger Goodyear, Nova York, Estados Unidos.