Este pequeno, mas precioso, quadro de Poussin foi encontrado pelo cardeal Giulio Rospigliosi, que depois se tornou o papa Clemente IX. Filósofo e dramaturgo, era um colecionador que admirava o trabalho de Poussin. O quadro apresenta uma mensagem intelectual, ou um quebra-cabeça, e é um tratado de miniatura sobre o tempo, o destino e a condição humana, apelando mais para razão do que para as emoções.
Os quatro dançarinos são figuras alegóricas: a Riqueza, o Prazer, o Trabalho e a Pobreza. Somos convidados a discutir seu significado contra o fundo de outros símbolos.
Poussin estabeleceu um nível de conteúdo acadêmico e de habilidade técnica que muitos pintores franceses posteriores procuram imitar, como David e até mesmo Cézanne.
O quadro possui técnica precisa e composição calculada. Subjacente a todas as pinturas de Poussin há uma estrutura geométrica complexa, mas totalmente racional e elaborada com o máximo cuidado. Um dos prazeres de olhar para seus trabalhos é descobrir essa geometria oculta. Neste caso, o movimento circular da dança está colocado dentro de um triângulo.
A figura de duas cabeças sobre o pilar de pedra, à esquerda, é o deus romano Jano, que olhava em duas direções ao mesmo tempo. O rosto jovem olha para o futuro; o rosto velho olha para o passado. Os romanos rogavam a Jano para abençoar o início de qualquer novo empreendimento ou novo ciclo, como por exemplo um novo mês. Janeiro, o primeiro mês do ano, deriva seu nome deste deus de duas cabeças.
As bolhas que o menino faz referem-se ao conceito de homo bulla – em latim, “homem bolha”, simbolizando a brevidade da vida. Tal como uma bolha, a vida humana dura apenas um breve instante e logo desaparece, deixando apenas uma lembrança.
O dançarino que usa uma coroa de louros, folha que não morre e é símbolo da virtude e da vitória representa o trabalho e tem os olhos fixos na figura da Riqueza. A Riqueza tem uma guirlanda de pérolas no cabelo. O Prazer segura-lhe a mão com firmeza, mas ela parece evitar a mão da pobreza, sem saber se vai segurá-la ou não. Nem a Riqueza nem o Prazer dançam descalços.
A dançarina, à esquerda, com elegantes sandálias e uma guirlanda de rosas no cabelo atrai nosso olhar como nos convidasse a entrar na dança. Esta figura representa o prazer, a luxúria e o ócio. A dançarina à direita está vestida com modéstia, com um simples pano na cabeça. Ela representa a Pobreza, e tenta tocar a fúgida mão da Riqueza.
Já houve muitas interpretações para este grupo de dançarinos, mas a chave para sua identidade e sua relação é a maneira como se dão as mãos. Coletivamente, eles representam a roda da fortuna – os quatro estágios pelos quais o homem constantemente passa durante sua vida mortal.
A figura de barba e asas que toca a música para os dançarinos é o Pai Tempo. Sua presença indica o fato inescapável de que, durante toda a dança da vida, a morte está sempre à espera.
A criança complementa a figura do Pai Tempo. Sua ampulheta significa a passagem do tempo, mas há mais areia na metade de cima – indicando que a dança ainda vai durar algum tempo.
As donzelas que seguem a carruagem são as Horas, atendentes do deus solar. São deusas das estações e dançam num eterno círculo, paralelo à dança representada no primeiro plano do quadro. Aurora, irmã de Apolo, a deusa do amanhecer, abre o caminho para a carruagem. Ela abre os portões da manhã e afasta as nuvens negras da noite. Com os dedos de rosas ela espalha flores por aonde passa.
O círculo nas mãos do deus solar, Apolo, representa a eternidade. Apolo representa a ordem e o comportamento civilizado, ao passo que Baco representa o lado emocional e irracional da natureza humana.
O quadro mostra o talento de Poussin como desenhista. Suas linhas são confiantes e precisas, com meticulosa atenção aos menores detalhes. Mostra também Poussin como um requintado colorista. O quadro é uma suave harmonia entre azul e dourado, e os matizes de azul conduzem nosso olhar em torno da tela, complementando o movimento circular dos dançarinos.
Agora que você sabe mais detalhes sobre esse quadro de Nicolas Poussin, experimente fazer uma releitura dele ou crie uma composição com vários personagens que narre uma história mitológica ou real, usando o material colorido que você mais gostar.
Fotografe seu trabalho e compartilhe sua experiência conosco, nas redes sociais, usando a #historiadasartestalento
Respostas de 2
Muito bom
Olá, Herminia, agradecemos seu comentário. Continue lendo nossos artigos. Abraço