Pinte seu Jardim tal como é – Vincent Van Gogh

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Pinte seu Jardim tal como é – Vincent Van Gogh
   

Nessa carta, Vincent Van Gogh explica a sua experiência com o estilo abstrato, vale a pena entender como o raciocínio de um artista serpenteia estilos, modismos e inspiração para compor suas obras.

Carta de Van Gogh a Émile Bernard, St Rémy, início de dezembro de 1889

“Como você sabe, uma ou duas vezes, enquanto Gauguin estava em Arles, dei livre rédea às abstrações, por exemplo em “Mulher na cadeira de balanço” ou “Leitora de Romance”, preto numa biblioteca amarela; e naquela época a abstração parecia-me um caminho encantador.

Mas é um caminho encantado, meu velho, e a gente logo se vê contra um muro de pedra.

Não diria que não se possa aventurar por ela depois de toda uma vida viril de pesquisas, de uma luta direta com a natureza, mas não quero quebrar a cabeça com tais coisas.

Passei todo o ano convivendo com a natureza, sem pensar no Impressionismo ou nisto ou naquilo.

Não obstante, mais uma vez deixei-me ir à procura de estrelas demasiado grandes – um novo fracasso – e estou farto.

Por isso, estou trabalhando no momento entre as oliveiras, buscando os efeitos variados de um céu cinzento contra um chão amarelo, com uma nota verde escuro da folhagem; em outra ocasião, o chão e a folhagem são em tom violeta contra um céu amarelo; em outra ainda, um vermelho ocre no chão e um verde rosa no céu.

Sim, certamente isso me interessa muito mais do que as abstrações acima mencionadas.

Se há muito não lhe escrevo é porque, como tive de lutar contra a minha doença, e aclamar a minha cabeça, não me sentia inclinado a entrar em discussão, e essas abstrações me pareciam perigosas.

Se eu trabalhar muito calmamente, os belos motivos surgirão por si mesmos; realmente, acima de tudo é preciso retemperar-se na realidade, sem qualquer plano preconcebido, sem preconceito parisiense.

Falo-lhe dessas duas telas, especialmente da primeira, para lembrar-lhe que podemos dar uma impressão de angustia sem visar diretamente ao histórico Jardim de Getsêmani; que não é necessário retratar os personagens do Sermão da Montanha para produzir um motivo consolador e suave.

Ah! Sem dúvida é bom e justo ser comovido pela Bíblia, mas a realidade moderna tem sobre nós tal domínio que, mesmo se tentarmos reconstruir abstratamente os dias antigos em nossos pensamentos, os pequenos acontecimentos nos arrastam dessas meditações e nossas próprias aventuras nos lançam de novo nas sensações pessoais – alegria, tédio, sofrimento, cólera, ou sorriso.

Por vezes, errando encontramos o caminho certo.

Compense isso pintando o seu jardim exatamente como é, ou qualquer outra coisa que você queira.

Em todo o caso, é uma boa coisa buscar a distinção, a nobreza nas feições, e os estudos representam um esforço real e, em consequência, alguma coisa bem diferente da perda de tempo.

Saber dividir uma tela em grandes planos que se fundem, encontrar linhas, formas que contrastam, isso é técnica, truques se você quiser, cozinha, mas ainda assim um indício de que você se aprofunda na sua arte, o que é um bom sinal.

Por mais odiosa que a pintura possa ser, por mais onerosa que seja nos tempos que vivemos, se quem escolheu esse ofício o pratica zelosamente, será um homem do dever, sólido e fiel.

A sociedade torna nossa existência bem penosa, por vezes, e daí também a nossa impotência e a imperfeição de nossos trabalhos.

Acredito que até mesmo Guaguin sofre muito com isso, e não desenvolver-se, como tem a capacidade para fazer.

Sofro com uma falta absoluta de modelos. Mas, por outro lado, há aqui belos lugares.

Acabei de fazer cinco telas tamanho 30, oliveiras. E a razão da minha permanência aqui é minha saúde está melhorando muito.

O que estou fazendo é duro, seco, mas isso porque estou tentando adquirir forças novas através de um trabalho um pouco rude, e tenho medo de que as abstrações me debilitem.”

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